Por:
Shara Jane Holanda Costa AdadFichamento:
É uma
prática filosófica, uma passagem obrigatória para quem quer
transformar as práticas sociais, por paradoxalmente não visar à transformação social e ainda menos a conscientização, e sim
o conhecimento do inconsciente, através do descobrimento das Américas (negras, brancas, indígenas e mestiças), do pensamento dos grupos-pesquisadores.
Por que uma filosofia? Por que ela:
1- Descobre os problemas que inconscientemente mobilizam os grupos sociais;
2- Promove a criação de novos problemas ou de novas maneiras de problematizar a vida;
3- Favorece a criação de confetos, contextualizados no afeto e na razão, na sensualidade e na intuição, na gestualidade e na imaginação do grupo pesquisador;
4- Possibilita a criação de conceitos desterritorializados, que entram em diálogo com os conceitos dos filósofos profissionais. (GAUTHIER, 2003, p. 12).
Na sociopoética realizamos a
pesquisa em grupo e por meio de
oficinas que utilizam dimensões da arte para produção de conceitos heterogêneos, polifônicos, polissêmicos, metafóricos e mesmo inusitados sobre um tema gerador.
A Sociopoética se trabalha com a
noção de multiplicidades, de bando, não se identifica os participantes. [...]
trabalhar em grupo é multiplicar os lados da visão, audição, tato, paladar e razão.
que [...] em grupo, ao acaso, [...] se encontra uma idéia, porque o que se aprende e se conhece acontece a partir de múltiplos e diversos domínios.
É a partir da relação com o exterior – o de fora - que podemos
respirar ar fresco, algo
que produza nos corpos-pesquisadores o desejo de se auto-analisar e de contribuir com experimentações outras. É preciso fazer o múltiplo, diz Deleuze. Nesse caso, o que mais conta não é apenas o trabalho em grupo, mas o fato estranho de
trabalhar ‘entre’ as pessoas de um grupo. É deixar de ser a autora [...] e, ao contrário, proliferar encontros entre pessoas diferentes, tanto de um lado quanto de outro. (ADAD, 2004, p. 221).
O
momento filosófico da análise Sociopoética é aquele dedicado a confrontar o conhecimento produzido pelo grupo-pesquisador, com reflexões teórico-filosóficas de outros autores ou correntes. Vale destacar a que estou me referindo quando falo em “produção filosófica de confetos” e gostaria de dizer mais claramente o que estamos chamando de “
filosofia”:
A filosofia não pode ser associada nem à reflexão, nem à contemplação, nem à comunicação: Ela não é contemplação, pois as contemplações são as coisas elas
mesmas enquanto vistas na criação de seus próprios conceitos. Ela não é reflexão, porque ninguém precisa de filosofia para refletir sobre o que quer que seja. [...] E a filosofia não encontra nenhum refúgio último na comunicação, que não trabalha em potência a não ser de opiniões, para criar o ‘consenso’ e não o conceito. (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 14).
o conceito é da ordem do acontecimento, não
da essência. Sendo assim, ele tem sempre a verdade que lhe é possível em função das condições de sua criação, portanto, não se pode afirmar que haja um conceito melhor do que outro. Faz-se necessário chamar atenção de mais um detalhe:
os conceitos não devem se relacionar com os nossos problemas, com a nossa história e, sobretudo, com os nossos devires. (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 40).
Foi com base nessa perspectiva que
Gauthier (2004) desenvolveu a noção de
“confeto” (conceito-afeto) e de Sociopoética.
Ambos criam dispositivos (técnicas artísticas) que possibilitam ao grupo-pesquisador inventar novos conceitos e produzir metáforas. Estas, apesar de não serem propriamente um conceito,
promovem uma tensão produtiva num mundo que se apresenta pacífico e desproblematizado. Com base nas experiências práticas observa-se que
os grupos realizam deslocamentos no pensamento em direção a novas possibilidades de criação. Além disso,
o confeto envolve elementos poéticos e artísticos que fazem com que Sociopoética se situe no entre-dois do saber e do
sentir. (SILVEIRA, 2004, p. 146)
Qual a importância de criar conceitos? Tal importância reside na possibilidade de confrontar conceitos já constituídos, nos permitindo fazer surgir novas variações, operar vibrações, multiplicar possibilidades e suscitar novos acontecimentos. Dessa forma, aquilo que estava cristalizado começa a se tornar movimento. E o mais surpreendente é que nesses movimentos não estão em funcionamento apenas objetos, mas envolvem consigo a própria conformação do sujeito, pois pensar e ser são a mesma coisa.
O movimento não é imagem do pensamento sem ser também matéria do ser. (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 32).
A
Sociopoética, no momento filosófico,
pretende ser um espaço onde possa ocorrer a produção de sentidos, de acontecimentos ou de conceitos, e ao mesmo tempo,
produção de subjetividade: pensar e ser são uma só e a mesma coisa. E como o
conceito é um acontecimento, não pode existir sem ser perpassado de afetos que não são emoções individuais, nem sentimentos, mas intensidades que percorrem os corpos. Por isso, a Sociopoética se utiliza do neologismo
“confeto”, mistura de conceito e afeto, para mostrar que na atividade do grupo pesquisador os
afetos não só existem, como são o próprio
motor da criação.